Marina
Silva
A gravidade da situação impõe a cada um inédito diálogo consigo mesmo, diante da necessidade de compreensão profunda da conjuntura, de revisão de nossas verdades consolidadas, de inflexões e ações corajosas para tentar fazer parte ativa da força política múltipla e decisiva que emana da sociedade
Por que apoiar a candidatura de Lula para presidente da república
Não há quem não tenha hoje sentimentos de apreensão, de insegurança, perplexidade ou, no mínimo, de estar vivendo um momento diferente de tudo que já presenciou em campanhas eleitorais. Perguntas perturbadoras também não saem de nossas cabeças: que rumo tomarão a já intolerável destruição ambiental, o abandono das comunidades indígenas, as políticas públicas em geral, o desmonte da cultura, das políticas sociais, a educação, a saúde, a liberdade de expressão, o respeito à diversidade, os direitos humanos, caso não se interrompa, pelo voto, a trajetória de consolidação do poder político da extrema direita e do fascismo no Brasil?
A gravidade da situação impõe a cada um inédito diálogo consigo mesmo, diante da necessidade de compreensão profunda da conjuntura, de revisão de nossas verdades consolidadas, de inflexões e ações corajosas para tentar fazer parte ativa da força política múltipla e decisiva que emana da sociedade, para virarmos a mesa diante das ameaças que nos afligem. O que podemos e devemos fazer nesta hora de escolha histórica para o país, para mudar, mais do que um governo, as estruturas políticas que geraram as ameaças que hoje nos cercam?
As respostas são múltiplas, os diversos agentes dessas respostas também. De parte dos líderes e seus partidos, exige-se que assumam, para o conjunto da sociedade, a disposição para reconhecer, aprender e corrigir os erros que frustraram expectativas em nosso passado recente. E esse compromisso significa envidar esforços generosos para criar um ambiente de confiança, onde a crítica seja livre e construtiva e a autocrítica seja sincera e reparadora. Um ambiente político que, daqui para frente, nos leve a propósitos comuns, a convergências políticas e programáticas capazes de gerar projetos compartilhados, única forma de assegurar a manutenção e a ampliação de nossa democracia em um ecossistema político diversificado, vacinado contra as velhas tentações do poder político exclusivo e excludente.
Face a tudo isso, a Rede Sustentabilidade, mediante decisão de sua direção nacional, recomendou às suas lideranças políticas, filiados, militantes e simpatizantes, o voto nos candidatos do campo democrático popular. Com base nessa nesta resolução, muitos de nossos filiados já declararam voto em Lula e Ciro Gomes, o que não significa negar as candidaturas do campo democrático mais amplo. Cada um de nós tem, em sua consciência, os valores que definem seu voto.
Assim, cumprindo meu dever moral, ético e político de manifestar publicamente minha opção de voto, como vinha deixando clara minha disposição de fazê-lo, a partir do compromisso público com um conjunto de diretrizes e propostas de resgate atualizado da agenda socioambiental perdida, plena de significados sociais, econômicos, políticos e culturais, que é um dos eixos principais da necessária reinvenção dos sistemas que organizam a vida humana na Terra. E neste momento, essencial para a retomada do protagonismo nacional e internacional de nosso país.
A dramaticidade das grandes crises que vivemos hoje impõe revisão profunda interromper da maneira compulsiva de acumular riqueza, priorizar o lucro sobre todas as coisas, exaurir o planeta e ver como natural uma inaceitável e desumana desigualdade. E isso deve ser é componente obrigatório de nossas reflexões neste momento, no Brasil. Não se trata apenas de interromper a trajetória desastrosa de um governo fascista. Trata-se de, acima de tudo, entender, debater e saber o que colocaremos no lugar.
Mesmo que ainda não tendo todas as respostas, já nos é perfeitamente possível vislumbrar os passos e caminhos que nos levem ao fortalecimento e ampliação de nossa democracia, para dar conta do imperativo combate às desigualdades social, econômica, ambiental e humana agravadas pelas mudanças climáticas, por meio de políticas, investimentos e ações internas e globais que permitam transitar para um modelo de desenvolvimento ao mesmo tempo próspero, justo, diverso, democrático e sustentável, com nova concepção de qualidade de vida, de justiça, de objetivos pessoais e coletivos.
Sempre tive plena consciência do alto risco que é Bolsonaro, para algumas das urgências fundamentais de nosso país, tanto é que, nas eleições de 2018, declarei meu voto, no segundo turno, no professor Fernando Haddad. Se, então, esse risco ainda estava na esfera das ameaças, agora é concreto e ativo:
• No desmonte intencional e criminoso da estrutura de proteção ambiental brasileira conquistada ao longo de décadas, por gerações de ambientalistas e agentes públicos. comprometidos com seu dever.
• No desmonte de políticas públicas fundamentais, como as de saúde, educação e cultura, sendo o resultado mais repugnante as perdas de vidas na pandemia de Covid, por falta de vacinas e pelo efeito deletério da desinformação e do ataque à ciência.
• No ultraje aos direitos das comunidades indígenas e quilombolas, cumprindo à risca o torpe compromisso de não demarcar nenhum centímetro de suas terras, ao qual somou-se o incentivo descarado às ações de garimpeiros e empresários ilegais na desconstituição dos territórios indígenas.
• Na permanente atitude de desprezo pela importância de direitos básicos e pela diversidade existentes na sociedade, promovendo a incitação sistemática ao ódio, aos preconceitos, à violência, à discriminação e ao desrespeito pela vida e dignidade das pessoas.
• Por ser e representar um projeto que atenta contra as regras democráticas, com manifestações irresponsáveis e levianas a respeito das instituições públicas e dos poderes autônomos da República, pondo em xeque conquistas históricas de nossa Constituição.
• Pela tentativa de legitimação e resgate de um dos períodos mais hediondos da história brasileira, o da ditadura militar de 64.
Outro motivo importante para a definição e declaração de meu voto é a minha consciência cristã, valor central em minha vida. Muitos parecem esquecer, mas Jesus foi severo em palavras e duro em atitudes com os que têm dificuldade de entender o mandamento máximo do amor, arrogando-se o lugar de justiceiros, em vez de meros anunciadores de sua graça e misericórdia.
A pregação de ódio contra os grupos mais fragilizados de nossa sociedade e a opção por um sistema econômico que nega direitos e um sistema social que premia a injustiça, faz da campanha de Bolsonaro um passo adiante na degradação da natureza, da coesão social e da civilização. Não é um retorno genuíno ao mandamento do amor e ao da verdade; é uma indefensável regressão, por meio da mentira e da dissimulação e, portanto, uma forma de utilizar o nome de Deus em vão.
Todas essas reflexões me inquietam, mas mostram o caminho da firmeza, do equilíbrio na análise e da disposição de pagar qualquer preço pelo compromisso com os destinos de nosso país e pela manutenção da coerência. Estamos hoje diante de um risco concreto de continuidade de ações que, como diz Hannah Arendt, “destroem sempre que surgem”, “banalizando o mal”, como pudemos ver e sentir nos quase quatro anos de governo Bolsonaro.
Assim, de forma crítica, independente e referenciada em diretrizes e propostas, publicamente assumidas, que considero estratégicas para mudar o Brasil, manifesto meu apoio à candidatura de Lula, por entender ser ela a que reúne as maiores e melhores condições para derrotar Bolsonaro, bem como ajudar e frear as ameaças que sua continuidade traria ao nosso país. Afirmo também meu compromisso de engajamento na campanha de Lula, desde já, na forma que julgar mais adequada.
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